Extraído de:
Brazilian Journal of Biomotricity, v. 3, n. 1,p. 02-11, 2009 (ISSN 1981-6324)
1. De acordo com os conceitos atuais, qual seria a velocidade de
execução ideal para promover a hipertrofia muscular?
Valmor Tricoli - Não existe resposta definitiva para esta pergunta. Por um bom
tempo a prática profissional acreditou que execução mais lenta do movimento era
recomendada. Porém, a evidência científica não comprovou esta crença. Atualmente,
existem indícios que a execução em alta velocidade, particularmente na fase excêntrica
do movimento, parece ser mais eficiente para os ganhos de força e hipertrofia.
Marcelo S. Aoki - O papel da velocidade de execução da ação muscular no
treinamento de força não está totalmente estabelecido. Poucos estudos avaliaram o efeito
da velocidade durante ações isoinerciais. Ratamess & Kraemer (2004) utilizam apenas
um estudo (HOUSH et al., 1992) para afirmar que a velocidade de execução pode afetar a
resposta hipertrófica. Porém, é importante ressaltar que neste estudo foi utilizado
equipamento isocinético. Já Carpinelli et al. (2004), em sua análise crítica ao ACSM
Position Stand on Resistance Training, atestam que não existem evidências suficientes
sobre a superioridade de uma velocidade específica para o desenvolvimento da
hipertrofia. Por exemplo, Young & Bilby (1993) não verificaram diferença significativa da
velocidade de execução sobre o grau de hipertrofia.
Tácito Pessoa de Souza Junior - A velocidade de execução realizada no
treinamento de força com objetivo de hipertrofia muscular induz a respostas neurais,
hipertróficas e metabólicas. Entretanto, pouco se conhece a respeito da velocidade ideal
para hipertrofia. Em um estudo realizado por Tesch et al. (1987) sugeriu que velocidades
elevadas produzem menos estímulos hipertróficos quando comparados a velocidades
mais baixas. Há ainda, considerações quanto ao nível de aptidão do praticante. De acordo
com o American College of Sports Medicine (ACSM), a classificação para “treinado” ou
“intermediário” refere-se aos indivíduos que tem aproximadamente seis meses ou mais de
experiência com treinamento com pesos, os classificados como “avançados” referem-se
aos indivíduos com anos de experiência e que apresentem significantes mudanças
morfológicas e funcionais, já indivíduos classificados como “elite”, são atletas altamente
treinados envolvidos em competições de alto nível.
Parece que uma variação de estímulos com diferentes velocidades de contração
induz a melhores respostas em indivíduos classificados como avançados.
2. Qual a importância do alongamento na indução/inibição do processo
hipertrófico?
Valmor Tricoli - Não existe evidência científica contundente para esta relação em
seres humanos e em condições fisiológicas normais. Sabe-se que em algumas espécies,
o alongamento crônico e prolongado pode provocar a chamada hipertrofia longitudinal
associada a um alto grau de hiperplasia.
Marcelo S. Aoki - Este é um tópico bastante polêmico. Diversos estudos,
conduzidos em modelo animal, investigaram o efeito do alongamento sobre o processo de
hipertrofia muscular. Williams & Goldspink (1971, 1973) reportaram que a imobilização em
alongamento crônico (1-3 semanas) aumentou o número de sarcômeros, principalmente
nas extremidades. Este fenômeno foi descrito como hipertrofia longitudinal induzida por
alongamento. Posteriormente, outros estudos demonstraram que o alongamento poderia
ser utilizado com estratégia de reabilitação após o período de desuso. Coutinho et al.
(2006), utilizando um modelo experimental (ratos), demonstraram que sessões de
alongamento pós-desuso induzem o aumento da área de secção transversa do músculo
(hipertrofia radial). Estas evidências sugerem que esta estratégia (alongamento) poderia
auxiliar na recuperação da massa muscular.
No entanto, não é possível extrapolar os resultados obtidos nestas circunstâncias
(alongamento crônico ou sessões de alongamento pós-desuso) para o contexto de um
indivíduo fisicamente/treinado, buscando hipertrofia. Em um estudo, também utilizando
modelo experimental (ratos), realizado pelo nosso grupo de pesquisa, foi demonstrado
que a resposta hipertrófica induzida pelo alongamento crônico (4 dias) é modulada
(parcialmente) pela inibição da via da quinase mTOR (AOKI et al., 2006). Mais
recentemente, nós também verificamos que a via da miostatina está reprimida durante
este processo de crescimento longitudinal (AOKI et al., 2008). Até o presente momento,
não tenho conhecimento de nenhum estudo que associou a estratégia do alongamento ao
treinamento de força, a fim de maximizar a hipertrofia em seres humanos.
Existe também uma grande preocupação do efeito do alongamento sobre o
subseqüente desempenho no treino de força. Recentemente, o nosso grupo também
avaliou esta questão. Nós verificamos que uma sessão de alongamento estático reduziu
significativamente o desempenho no teste de 1-RM. No entanto, nós não verificamos
interferência, quando foi utilizado o alongamento dinâmico (BACURAU et al., 2009).
É importante ressaltar que o efeito do alongamento prévio sobre o treino de força
tem sido avaliado, principalmente, sob o ponto de vista funcional (produção de força ou
potência), e não estrutural (hipertrofia). Atualmente, não é possível afirmar que o
alongamento exerce efeito positivo ou deletério sobre o processo de hipertrofia do
músculo esquelético.
Tácito Pessoa de Souza Junior - As pesquisas relacionam mais o aumento ou
diminuição de força quando aplicado o exercício de alongamento. Não há pesquisas que
comprovem a importância do alongamento na aquisição de massa magra.
3. De acordo com os conhecimentos atuais, ainda se aplicam as zonas de
treinamento resistido para força (90%-100% 1-RM) hipertrofia (70-85% 1-RM) e
resistência (40-65% 1-RM)?
Valmor Tricoli - Pode ser afirmado que estes valores são universais. Porém, deve
ser lembrado que a intensidade é somente uma das variáveis para obtenção destes
objetivos (força, hipertrofia e RML).
Marcelo S. Aoki - Sim, as recomendações atuais sobre a prescrição da
intensidade no treinamento de força são baseadas no percentual do valor de 1-RM. No
entanto, a determinação do valor de 1-RM é muitas vezes inviável, em academias de
ginásticas, nos clubes, etc. Na prática, este fato dificulta a prescrição/controle da
intensidade do treinamento de força. Também acredito que a sobrecarga fisiológica (nível
de estresse) do treinamento de força não é determinada somente pela intensidade do
treino (%1RM). Existe uma grande preocupação sobre o efeito da intensidade, porém, é
imprescindível considerar a complexa organização de todas variáveis agudas do
treinamento (intensidade, densidade, volume, duração, freqüência e tipo de ação).
Tácito Pessoa de Souza Junior - O ACSM faz essa recomendação, porém,
sugere estímulos variados e atenção quanto à aptidão do praticante.
4. A miostatina vem sendo descrita como um regulador negativo da
hipertrofia muscular. Ela é realmente a chave da hipertrofia? Qual sua relação com
o treinamento resistido?
Valmor Tricoli - A miostatina é definitivamente um regulador negativo dos ganhos
de massa muscular. Contudo, em condições fisiológicas, considerá-la chave da hipertrofia
seria um tanto quanto ingênuo. Com o treinamento de força, é esperado uma atenuação
da atividade e/ou expressão da atividade da miostatina.
Marcelo S. Aoki - Na minha opinião, não há uma única “chave” para abrir a caixa
preta do processo de hipertrofia. Nos últimos anos, este processo tem sido extremamente
pesquisado. Através destas pesquisas, é possível afirmar que várias vias intracelulares
estão envolvidas no crescimento do músculo esquelético (via da Akt-mTOR; via da
Ubiquitina-proteassoma, via do NFkappaB, via da Miostatina, etc.) (GLASS, 2005; FROST
& LANG, 2007; LEGER et al., 2007; LI et al., 2007; WACKERHAGE & RATKEVICIUS,
2008; LEAL et al., 2008). A miostatina ganhou notoriedade, principalmente, por mutações
ocorridas em mamíferos (camundongos, cães, bois e seres humanos). Sem dúvida, a
miostatina é um importante regulador da hipertrofia. Porém, existem poucos estudos
relacionando o treinamento de força e a via da miostatina. As evidências disponíveis
reportam que o treinamento de força parece exercer down-regulation sobre a referida via,
maximizando a hipertrofia (LEAL et. al., 2008).
Tácito Pessoa de Souza Junior - McPherron et al. (1997), detectaram a
expressão gênica de proteínas reguladoras do crescimento chamadas TGFb e seus
subtipos. Um desses subtipos, chamado Fator de Crescimento e Diferenciação (GDF) e
especificamente o GDF-8, também chamado Miostatina, é associado a proteínas
musculares que praticamente dobraram a musculatura esquelética de ratos e bois.
Análises histológicas revelaram um aumento da massa muscular em ratos mutantes que
resultaram em hiperplasia e hipertrofia. Ainda é prematuro relacionar com o treinamento
de força. O que se fala por aí é mera especulação!
5. Os marcadores hematológicos e bioquímicos, como a Creatina Kinase
(CK), são meios adequados para o acompanhamento do treinamento para
hipertrofia muscular?
Valmor Tricoli - Infelizmente estes marcadores não podem ser considerados
adequados para o acompanhamento do processo de hipertrofia muscular. A CK tem
apresentado associação com o dano ao tecido muscular esquelético. O dano por sua vez
é associado ao processo de hipertrofia. Contudo, a simples presença do marcador, e do
dano, não são suficientes para acompanhar o processo hipertrófico. Além disso, a CK
apresenta grande variabilidade interindividual e de acordo com o estado de treinamento
do sujeito.
Marcelo S. Aoki - A resposta dos marcadores bioquímicos ao estímulo do
treinamento de força como, por exemplo, a atividade da CK, deve ser analisada com
cautela. Acredito que a CK fornece informações sobre o processo adaptativo do músculo
esquelético ao treinamento de força. Porém, a mesma não deve ser considerada como
parâmetro para o monitoramento dos efeitos do treinamento, mais especificamente da
hipertrofia. Esta variável apresenta uma grande variabilidade na população (NOSAKA &
CLARKSON, 1996), provavelmente associada ao componente genético. Outro ponto
importante, que precisa ser considerado é o fenômeno conhecido como “repeated bout
effect” (efeito protetor da carga). Já é sabido que existe uma atenuação significativa do
grau de lesão muscular e seus marcadores (ex. atividade de CK) em reposta a sessões
consecutivas de treinamento de força. No entanto, independentemente, desta resposta de
atenuação do grau de lesão, o processo de hipertrofia continua a ocorrer em médio e
longo prazo. Provavelmente, outros mecanismos, além do processo lesão-inflamaçãoregeneração,
como a mecano-transdução, também estão envolvidos na resposta
hipertrófica.
Tácito Pessoa de Souza Junior - Entre os marcadores bioquímicos, os mais
citados são a glutamina plasmática, a atividade da creatina quinase, uréia e o lactato
sanguíneo. A avaliação da atividade da enzima creatina quinase tem sido muito utilizada,
mas não como um marcador de overtraining (sobretreinamento) e sim como uma
ferramenta para identificar um estágio recente de lesão muscular. Isso porque atletas bem
treinados que realizam contrações musculares excêntricas não apresentam grandes
aumentos na atividade da creatina quinase, mesmo que eles tenham dores musculares,
talvez por ser resultado de uma lesão ou inflamação no tecido muscular conjuntivo. Por
outro lado, o diagnóstico baseado na determinação da creatina quinase parece ser
sensível e avalia um aumento do estresse muscular ou uma intolerância individual ao
esforço muscular. Tem sido sugerido que a concentração de resíduos de nitrogênio no
plasma sanguíneo (uréia e o ácido úrico) pode indicar uma diminuição das proteínas
musculares, podendo assim ser um marcador de sobretreinamento (overtraining) por
causa da sua associação com um estado catabólico. O maior problema é que o exercício
agudo prolongado é associado com uma elevação temporária dos níveis de uréia e ácido
úrico e ainda pode ser influenciado por uma dieta com ingestão de proteínas. Por esses
motivos, a uréia, o ácido úrico e a cretina quinase não são parâmetros confiáveis para o
diagnóstico definitivo do overtraining e nem de hipertrofia muscular.
6. Qual o papel das citocinas pró-inflamatórias na hipertrofia muscular?
Marcelo S. Aoki - O papel destas substâncias no processo de hipertrofia ainda
precisa ser mais investigado. No entanto, alguns estudos disponíveis indicam que a
administração de anti-inflamatórios pode atenuar a resposta de hipertrofia (TRAPPE et al.,
2001). Reforçando a idéia de que as citocinas inflamatórias também exercem influência
sobre a hipertrofia, algumas evidências sugerem o envolvimento destas substâncias em
processos de regeneração muscular, ativação das células satélites e síntese de proteínas
(VIERCK et al., 2000; FROST & LANG, 2007).
Tácito Pessoa de Souza Junior - O treinamento de força (TF) promove ajustes
morfofuncionais específicos, sendo a hipertrofia o fenômeno mais marcante. Ainda se
discute muito a respeito do processo inflamatório da musculatura, ou seja, se é um
processo natural de ajuste à resposta hipertrófica, ou é uma resposta inflamatória
acompanhada de necrose e perda de funcionalidade da fibra. O entendimento das
respostas inflamatórias no músculo esquelético (ME) é bastante complexa envolvendo
vários mediadores inflamatórios. As modulações imunológicas podem responder de
maneiras distintas decorrente do tipo e intensidade do TF, causando diferentes alterações
morfofuncionais no ME. Acreditamos que a hipertrofia muscular esteja amplamente
relacionada com o processo inflamatório.
7. A produção de testosterona em mulheres é menor quando comparado
ao homem. O treinamento resistido visando hipertrofia para as mulheres deveria
priorizar o treinamento com baixa pausa entre séries e alta intensidade para
otimizar a secreção do GH e atuação do IGF-1?
Valmor Tricoli - É verdadeiro afirmar que o treinamento de força com pausa
reduzida entre séries e alta intensidade otimiza a secreção do GH e atuação do IGF-1.
Contudo, deve ser lembrado que apesar de lógico, ainda temos pouca evidência da
associação da secreção destes hormônios com o grau de hipertrofia causada pelo
treinamento. Além disso, são mais importantes as alterações hormonais locais e não
sistêmicas como normalmente são reportadas.
Tácito Pessoa de Souza Junior - Temos poucos dados na literatura para dar
sustentação a essa pergunta. Porém, como afirmado acima, acreditamos que a
intensidade (aumento das cargas, velocidade de execução, variação) e a densidade
(diminuição dos intervalos entre as séries de exercícios) possam contribuir para os
resultados.
8. Em relação à pesquisa científica, para onde caminha o treinamento de
força? Quais as perspectivas futuras?
Valmor Tricoli - Da mesma maneira que grande parte das pesquisas em atividade
física, o treinamento de força também tem voltado a sua atenção para os aspectos de
biologia molecular. Mecanismos e vias envolvidos no processo de hipertrofia assim como
a investigação dos diferentes fatores (mecanotransdução, hormonal, gasto energético)
que os influenciam tem ocupado posição de destaque na produção científica de ponta.
Marcelo S. Aoki - Na minha opinião, atualmente, existe um grande interesse sobre
o efeito do treinamento de força na prevenção, no tratamento e na reabilitação de
diversas patologias. Na mesma linha de raciocínio, outro ponto de extremo interesse é
estabelecer recomendações seguras e eficientes de prescrição desta estratégia de
treinamento para populações especiais.
Mais especificamente, o nosso grupo de pesquisa pretende investigar o
comportamento de genes que governam adaptações relacionadas à plasticidade do
músculo esquelético em respostas às diferentes demandas fisiológicas (treinamento de
força, alongamento crônico, imobilização, ablação).
Tácito Pessoa de Souza Junior - As investigações sobre as alterações funcionais
e morfológicas decorrentes do treinamento de força caminham para investigações
moleculares. As disciplinas Bioquímica do Exercício e Biologia Molecular são grandes
ferramentas para elucidar a complexidade dos mecanismos intracelulares. As pesquisas
estão sendo realizadas, aguardemos os resultados futuros.