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https://www.trustsports.com.br/textos_detalhes.php?id=47#.U7QsVHebgd0
Peço desculpas se já foi postado. Em minhas buscas não achei este artigo.
Apesar de antigo, continua válido. Trocaria apenas o termo Overtraining para Overreaching.
Treinamento concorrente – É possível utilizar musculação, aeróbios e treinos intervalados em um mesmo plano de treinamento?
Autor: Felipe Nassau -
Outubro / 2010
O que é?
O treinamento concorrente consiste em agregar mais de uma modalidade esportiva dentro de um contexto global de preparação física, ou seja, musculação e cíclicos (corrida, ciclismo), musculação e alongamentos.
Segundo Volkov, um dos mais importantes treinadores até hoje, “todo atleta deve, necessariamente, ter todas as capacidades físicas muito bem treinadas, sendo as ênfases de acordo com as especificidades”. Nisso podemos incluir: força, potência, resistência, flexibilidade, equilíbrio, agilidade... Esse mesmo conceito pode ser traduzido em menor escala por quem apenas busca a saúde ou um visual mais agradável.
A maior dificuldade é conseguir equilibrar todas essas variáveis de modo integrado. Se treinar apenas a força, como visto em textos anteriores, é bastante complexo, imagine como deve ser somar estímulos, danos e tempos específicos de recuperação.
Treinamento concorrente e overtraining
Um estudo de 12 semanas mostrou que um grupo de corredores que também praticavam treinamento de força (musculação) tinha evolução muito superior ao que apenas corria até a 8ª semana, porém, ao final do estudo, houve piora no grupo da musculação (Paulo, 2005). Isso ocorreu porque os protocolos de treino eram somados, ou seja, um grupo apenas corria e o outro corria seguindo o mesmo programa, mas também praticava a musculação. Sendo assim, podemos afirmar claramente que para cada modalidade acrescentada no treinamento, deve ser retirada ou postergada alguma fase do treinamento prioritário. Não devem ser apenas acrescentados os estímulos, as fases de recuperação também devem entrar nessa “matemática”.
Treinamento de força para exercícios de resistência.
A força é a base para o desenvolvimento de qualquer capacidade física. Além do fortalecimento das estruturas musculares, ósseas e articulares serem um fator importante na prevenção de lesões, as melhoras de força e do sistema neuromuscular promovidas por essa modalidade são indispensáveis a qualquer prática esportiva.
Muitos não sabem, mas nos anos mais proveitosos de competição de muitos atletas de resistência, como maratonistas de ponta, as grandes melhoras não foram nas capacidades oxidativas (aeróbias), mas sim no sistema neuromuscular, ou seja, os ganhos foram de potência!
Considerando fórmula: “POTÊNCIA = FORÇA x VELOCIDADE”, o treinamento de força pode ser uma boa e segura maneira de melhorar a potência, apesar de existirem outras mais complexas, como a pliometria, força reativa (método de choque) e levantamentos adaptados.
Treinamento das capacidades aeróbias em capacidades de força e potência
Há algum tempo é provado que o exercício aeróbio contínuo pode comprometer os ganhos de força e massa muscular. A realização de exercícios aeróbios antes da musculação parece comprometer a capacidade de produzir força devido a um mecanismo conhecido como fadiga neural. Além disso, há estudos que mostram que alguns sinalizadores de hipertrofia (miogênicos) são menos expressivos em praticantes de musculação que realizam exercícios aeróbios.
O treinamento aeróbio também promove uma conversão entre fibras musculares. Fibras mais glicolíticas (“fibras brancas”) possuem uma maior capacidade de produzir contrações rápidas, sendo muito úteis nas atividades de força e velocidade. Essas fibras, com o treinamento aeróbio, são convertidas em fibras mais oxidativas (“vermelhas”). Isso pode implicar numa menor capacidade de realizar força e também em menores ganhos de massa muscular, já que fibras glicolíticas são maiores e com maior potencial de crescimento. Porém, o treino de força parece não ser capaz de converter fibras vermelhas em fibras brancas, o que explica alguns esportes terem seus atletas escolhidos pela sua carga genética, sendo favorecidos os com maior proporção de fibras brancas, como a ginástica artística, o velocismo e o levantamento de peso. Isso leva a crer que a prática de exercícios aeróbios pode comprometer permanentemente a capacidades força e hipertrofia.
Concluindo: treinar todas as capacidades físicas é fundamental, porém, os treinos não devem ser apenas somados, pois isso pode levar ao overtraining e ser improdutivo em ambas modalidades.
Densidade mitocondrial, lançadeiras de lactato e Ciclo de Cori
Porém, alguns benefícios relacionados ao metabolismo oxidativo aeróbio podem favorecer a melhora de capacidades relacionadas à força, como melhor regeneração do tecido muscular após uma sessão de treino intensa. Aumentos na capacidade de produzir energia com utilização de oxigênio, como aumento no tamanho e quantidade de mitocôndrias (densidade mitocondrial), parecem favorecer a recuperação entre treinos. Outro favorecimento à recuperação pode ser o aumento das células vermelhas do sangue que transportam o oxigênio até as células (os eritrócitos) e da quantidade de vasos capilares no músculo.
Além disso, o lactato produzido durante o treino de força pode se metabolizado em outros tecidos. O lactato não é um causador de fadiga, mas sim um mecanismo que permite que a contração muscular continue ocorrendo. Além disso, a sua remoção da célula favorece a diminuição da acidose. Esta, quando elevada, impede a continuidade da produção de energia pela via anaeróbia nessa célula, ou seja, a sua produção e remoção são essenciais a um bom funcionamento do sistema muscular.
O lactato, além de ser o principal combustível para o músculo cardíaco (miocárdio) durante o esforço, também é utilizado para a produção de energia em células musculares mais oxidativas. Esse processo ocorre devido a um mecanismo conhecido como lançadeiras de lactato, onde o lactato é transferido da fibra muscular onde foi produzido e não é mais útil para outra que possa metabolizá-lo.
O lactato é também responsável pela regulação da glicemia (açúcar no sangue) durante o exercício através de um mecanismo conhecido como Ciclo de Cori. Nesse ciclo, o lactato removido da célula muscular para o sangue e que não foi utilizado pelo miocárdio, pode ser metabolizado no fígado e reconvertido e reduzido a glicose, através do processo conhecido como gliconeogênese hepática. Essa glicose pode retornar ao sangue e inclusive ser metabolizada na célula muscular.
Treinamento intervalado anaeróbio
Uma possível solução para obter os benefícios da melhora do metabolismo aeróbio sem os prejuízos do treino aeróbio pode ser a utilização de alguns métodos de treinamento na musculação ou dos treinos intervalados anaeróbios.
Nos treinos intensos e com descansos curtos a produção e o acúmulo do lactato é muito elevada, o que pode estimular a efetividade do mecanismo das lançadeiras e do ciclo de Cori. Aumentando a concentração desse substrato, aumenta-se também a capacidade de metabolizá-lo. Sendo assim, treinos anaeróbios com essa característica podem favorecer a melhora do sistema aeróbio e cardiovascular.
Isso é verificado em treinos intervalados (sprints) com intervalos curtos de recuperação. Outro dado interessante é que em atletas, tais protocolos são mais efetivos para o aumento da capacidade aeróbia (VO2Max) do que treinos contínuos aeróbios (tabata et al., 2000).
Musculação com métodos intensivos
Treinos intensos na musculação com métodos de descanso ativo, como o super-set (exercícios antegônicos utilizados durante o intervalo de descanso), também podem promover tais melhoras no sistema de fornecimento de energia. Nesse caso, é interessante verificar que a frequência cardíaca chega a valores muito elevados, sendo potencialmente favorável à melhoras, não só nos sistemas energéticos, mas também, no funcionamento cardíaco, contrariando o senso comum.
Overtraining
O maior risco na associação destas modalidades é que ambas são muito lesivas ao sistema neuromuscular, logo, o risco de overtraining é elevado, caso o planejamento e o acompanhamento não sejam adequados.
Considerações finais
O treinamento de todas as capacidades físicas é essencial ao desenvolvimento físico e à evolução do treinamento. Porém, a maior dificuldade é inserir as modalidades coadjuvantes sem prejudicar os objetivos prioritários e sem promover o overtraining. Assim como os ganhos de força e potência favorecem praticantes de exercícios de longa duração, como os maratonistas, as melhoras no metabolismo aeróbio podem favorecer a hipertrofia e os ganhos de força e melhorar as sessões de treino na musculação, com recuperação entre séries mais efetivas. Porém, a simples soma da musculação a um protocolo aeróbio pode favorecer o overtraining, assim como exercícios aeróbios podem prejudicar permanentemente os ganhos de força e de massa muscular.
As melhoras promovidas pelo exercício aeróbio podem ser conquistadas com os treinos anaeróbios, como os intervalados (sprints). A vantagem é que os treinos intervalados, além de serem comprovadamente mais efetivos que os exercícios aeróbios, não geram os prejuízos que este promove. Porém, o maior risco é que, assim como a musculação, os sprints intensos são muito lesivos, logo, há a necessidade de uma prescrição minuciosa da combinação de treinos intervalados e musculação para que ambos evoluam sem promover o sobretreinamento. Isso mostra mais uma vez a necessidade da supervisão de um profissional com habilidade nos ajustes finos do planejamento, para que possam promover os benefícios físicos e de saúde propostos por essas nobres modalidades do esporte.
Referências
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