O MMA é dividido entre antes e depois de 2000, quando foram estabelecidas as regras unificadas do esporte.
Pois podem anotar que as artes marciais mistas ganharam um novo Dia D.
Em 1º de julho de 2015, a maior organização do mundo inicia, na prática, sua parceria com a Agência Antidoping dos Estados Unidos (USADA), que, de maneira totalmente independente, vai acompanhar os cerca de 550 atletas do UFC em 2.750 exames por ano, que identificarão o uso de substâncias ilegais.
Executivos de UFC e USADA selando o acordo
Portanto, os lutadores que fazem uso de doping — e não se iluda, são muitos, dentro e fora do Brasil — podem esquecer os testes de urina pós-luta, gentilmente conhecidos como “pega-trouxa”.
Ou melhor, podem contar também com exames surpresa de sangue que captarão desde substâncias ilegais de uso recreativo até eritropoietina, a popular EPO, aquela mesma que Lance Armstrong confessou usar durante toda sua carreira.
Para quem não viu ou ainda não está devidamente familiarizado com as novas regras, eu resumo: quem for pego pela primeira vez sob uso de substâncias dopantes como esteróides, GH — o hormônio do crescimento, melhor amigo de muitos atletas — e EPO leva uma suspensão de dois anos, acrescentados de mais dois caso existam “circunstâncias agravantes”.
O segundo e o terceiro doping custarão à carreira de um lutador o dobro da punição anterior.
No caso de substâncias de uso recreativo, como maconha e cocaína, a primeira punição será de um ano, com a mesma possibilidade de dois anos extras se houver agravantes, e o dobro da punição anterior se o atleta voltar a ser pego.
Um exemplo simples: se em 2011 as novas regras estivessem em vigor, Thiago Silva — que admitiu ter adulterado sua urina após o combate contra Brandon Vera — muito provavelmente só teria voltado a lutar este ano.
Silva x Vera: luta do Olodum
E olha que aquele foi o primeiro problema do paulista com doping.
Uma outra medida anunciada pela agência americana antidopagem na última quarta-feira passou batido em grande parte das análises do novo sistema, mas vai modificar imensamente o que a gente hoje conhece por MMA: o passaporte biológico.
Em resumo, trata-se de uma documentação especial que reúne o histórico dos índices de todas as substâncias no corpo de um atleta, e, assim, demonstra em detalhes os altos e baixos dos níveis biológicos do cara.
Grosso modo, se um lutador é testado de surpresa hoje e daqui a 4 meses, mas não foi pego em nenhum dos dois exames, eventuais alterações estranhas na quantidade de uma substância podem colocar alguém sob suspeita — e, assim, ele ser acompanhado mais de perto por meses a fio, até que seja pego.
E com “até que seja pego”, eu quero dizer isso mesmo.
O novo vice-presidente do para assuntos de saúde e performance é Jeff Novitsky, o homem que perseguiu de perto os principais ciclistas do mundo até que fossem escancarados e detalhados publicamente seus hábitos ilícitos.
Voltamos, então, ao que eu dizia no início do texto. O MMA vai mudar completamente a partir de julho deste ano.
Ao escolher a USADA como gestora do sistema e gastar milhões e milhões de dólares com isso, a maior organização do esporte no mundo abdicou de interferir ou influenciar a instituição que pratica os exames antidoping em seus lutadores.
Cruzada antidoping teve Silva x Diaz como ponto de partida
Ou seja, trata-se de uma medida que fará o UFC perder dinheiro em duas frentes: primeiro, com o pagamento direto pelo sistema antidopagem; segundo, e mais grave, com o cancelamento de muitas grandes lutas por conta dos exames surpresa.
Vocês estão acompanhando a intensa e caríssima promoção que o Ultimate está fazendo para a luta entre José Aldo e Conor McGregor, em 11 de julho.
Já pensou se um deles é pego num teste realizado no início do mês que vem? Pois é.
Evidentemente, o UFC também tem muito a ganhar com a instituição de um sistema tão severo de testes, mas a longo prazo.
Tudo o que uma liga esportiva cuja atuação se confunde com o MMA ao redor do mundo não precisa é ficar conhecida como paraíso dos atletas desonestos.
Como diria o poeta, imagem não é tudo, mas é 100%. E imagem rende dinheiro.
Embora saibamos que a indústria do doping sempre estará à frente da fiscalização, podemos contar com uma grande mudança na maneira com que estamos acostumados a acompanhar MMA.
E se preparem: como fãs, vocês vão perder alguns bons anos de muitos atletas em seu ápice físico e técnico.
Álém disso, esperem muita gente sendo pega onde o uso do doping é, digamos, menos cuidadoso. Se você pensou num certo país, acertou.
Estas são as regras do jogo. E o esporte precisa disso. Que assim seja.
Fonte: Sexto Round