Treinamento de força baseado em velocidade de execução não se trata de um método, mas de uma ferramenta aplicável a determinados exercícios. Tampouco se trata de cadenciar a execução de um movimento, o que vamos tratar é sobre medir a velocidade da fase concêntrica de alguns exercícios básicos, com trajetória de carga linear, sempre com máxima velocidade intencional – o que na prática é a velocidade que usamos quando a intensidade supera certo patamar, não controlamos a velocidade concêntrica no supino com 80% de intensidade, por exemplo.
Como surgiu a necessidade de aplicação dessa ferramenta? Pela dificuldade de estimar 1RM através dos métodos tradicionais. Testes de 1RM tomam muito tempo, não são nada práticos, e dependendo do exercício e nível de treinamento do indivíduo, o colocam em risco de lesão. Além disso, por flutuações individuais - variações em dieta, descanso, fadiga, etc - os valores de 1RM podem mudar a cada sessão de treinamento, o que nos faz trabalhar com intensidade acima ou abaixo do que planejamos.
A velocidade de execução demonstrou ser um parâmetro muito confiável para controlar as variáveis de carga, mostrando correlações quase perfeitas em sua capacidade de estimar tanto 1RM, quanto o percentual de 1RM a que corresponde uma carga.
Em 2010, Gonzáles Badillo publicou um estudo que demonstrou essa correlação aplicada ao supino reto:
Observamos que a correlação é de 0,98 – praticamente linear. Foram analisados 1596 dados (total de levantamentos realizados durante a fase experimental) extraídos dos 176 testes realizados. Ou seja, foi um estudo determinante para mostrar que a velocidade de execução é, de fato, um parâmetro confiável para quantificar com qual intensidade um indivíduo está trabalhando.
É uma ferramenta relativamente nova que tem ganhado relevância no âmbito do treinamento de força, aplicado tanto em esportes como o powerlifting, quanto em esportes em que a força não é a capacidade física principal a desenvolver, como o atletismo. O interessante é que em 1991, Gonzáles Badillo em uma publicação sobre levantamento olímpico para os jogos de 1992, já afirmava que a velocidade dos movimentos possivelmente seria o melhor ponto de referência para saber se a carga utilizada no treinamento de força é adequada ou não.
Sem me estender muito nos estudos, vou apenas citar outros que indicam a correção velocidade/intensidade:
Correlação na execução do agachamento, Sanchez Medina et al. (2017) – 80 indivíduos treinados, 644 dados obtidos, correlação de 0,95.
Correlação na execução do levantamento terra, Ruf et al. (2018) – 11 indivíduos treinados, 3 testes de 1RM separados por no mínimo 3 dias entre cada, correlação de 0,98.
Correlação na execução da remada pendley, Sanchez Medina et al. (2014) – 75 indivíduos treinados, correlação de 0,94.
Por fim, uma tabela sintetizando os exercícios e as correlações intensidade/velocidade de execução:
Velocidade em m/s. Nota-se que no levantamento terra utilizou-se velocidade média (VM) e não velocidade média propulsiva (VMP) como nos restantes, o que pode gerar pequenas variações, mas não são relevantes. Como mencionado, as correlações se aplicam a exercícios compostos com trajetórias da carga lineares.
A conclusão que se chega é que a literatura respalda a estimativa de RM através da velocidade de execução. Apesar de a tabela sugerir velocidades padronizadas que servem de orientação para estimar a intensidade sem que se necessite testes de 1RM, para um trabalho de individualização máxima – alto rendimento, por exemplo – é interessante elaborar para cada sujeito uma equação que relacione a velocidade com que mobiliza uma determinada carga em cada exercício. Minha opinião é que a ferramenta serve para indivíduos treinados, já que é necessário dominar a técnica de execução para chegar a um padrão de movimento.
Ok, mas por que expor todo esse conteúdo sobre uma ferramenta que, na prática, 99% das pessoas não vão usar, exigindo um equipamento especial?
Porque a partir disso surgiram outros estudos, relacionado a perda de velocidade durante a execução de uma série com resultados ótimos para hipertrofia e/ou performance. E a perda de velocidade tem relação direta com a falha concêntrica – quanto maior a perda de velocidade, maior a proximidade com a falha.
É comum ver os praticantes de musculação fazendo séries exaustivas, uma em cima da outra, muitas vezes não completando elas ou pedindo ajuda para um “spotter”, método que se popularizou com o fisiculturismo e que é adotado até por iniciantes que não têm domínio dos movimentos e nem conhecem suas limitações.
Porém literatura científica atual vem questionando se é necessário trabalhar até a falha concêntrica para atingir resultados.
Izquierdo et al. (2006) comparou dois grupos de trabalho com dois programas de treinamento de força, o primeiro trabalhando com falha concêntrica, o segundo sem falha, ambos com volumes e intensidades iguais, durante 16 semanas, com 2 sessões semanais, e concluiu:
- ganhos similares em 1RM e em potência muscular dos músculos de braços e pernas
- na fase de "peaking" (aumento de intensidade) se observaram maiores ganhos de em potência muscular nos membros inferiores no grupo que não utilizou falha concêntrica
- o grupo que trabalhou com falha concêntrica obteve maiores ganhos em repetições realizadas no supino
- o grupo que trabalhou com falha concêntrica experimentou redução nas concentrações de IFG-1 e elevação de IGFGB-3
A conclusão foi que, se queremos melhorar força e potência, treinar evitando a falha concêntrica é a melhor opção. Este estudo corrobora o de Hakkinen (1993) que demonstrou que treinar até a falha concêntrica reduz tanto a força gerada pela musculatura, quanto a capacidade do sistema nervoso de ativar a musculatura.
Sánchez Medina e González Badillo (2011) analisaram diferentes respostas do organismo frente a vários tipos diferentes de séries e repetições, com diferentes caracteres de esforço, repetições e intensidades, e algumas conclusões são interessantes para o que vamos tratar a seguir:
- a amônia mostrou um aumento de concentração curvilínea à medida que as repetições se executavam, enquanto o lactato mostrou uma tendência linear
- as séries que resultaram em maior aumento de amônia no sangue foram 3x12(12), 3x10(12), 3x10(10), 3x8(8) no agachamento e 3x12(12), 3x10(12), 3x10(10), 3x8(10), 3x8(8) e 3x6(6) no supino, ou seja, são as séries com maior caráter de esforço que desencadeiam maior aumento de amônia no sangue
- as maiores perdas de velocidade se relacionaram com variações em hormônios como a testosterona, o hormônio do crescimento e a insulina, e se associaram com maior estresse mecânico, metabólico e hormonal
O estudo não estabeleceu qual era a perda de velocidade ou o caráter de esforço ótimo para gerar adaptações de força, mas foi importante no desenvolvimento desse tema. O estudo, sim, estabeleceu uma perda de velocidade máxima para prevenir o aumento da amônia no sangue, 30% para o agachamento e 35% para o supino (perda entre a primeira e a última repetição). E aqui já começamos a perceber a aplicação prática disso, porque uma perda de velocidade de 30-35% indica trabalhar com RIR 3 a 5.
González Badillo et al. (2017) indicou que o aumento de amônia no sangue poderia aumentar consideravelmente o tempo de recuperação necessário após cada sessão de treinamento, e a frequente repetição dessas sessões exaustivas possibilitaria uma redução crônica no conteúdo de ATP do músculo.
Pareja Blanco et al. (2017) comparou dois grupos de indivíduos treinados, executando agachamento com a mesma intensidade relativa, o primeiro até perder 20% de velocidade, o segundo até perder 40% de velocidade, e concluiu:
- ganhos de força similar em ambos os grupos
- melhora no salto vertical no grupo de 20%, apesar do grupo de 40% haver realizado um total de 40% de repetições e 36% de trabalho a mais
- maior ganho de massa muscular no grupo de 40%
Na prática, esse estudo indica que para ganhos de força o ideal é realizar metade das repetições possíveis em uma série (3/6, 4/8, 6/12...) e que para melhores resultados em hipertrofia, devemos trabalhar com RIR 2 a 5.
Concluindo:
Se quisermos melhorar nossa força não é necessário trabalhar com esforços exaustivos, as séries com perda de até 20% de velocidade se mostraram como estímulos ótimos, o que corresponde a trabalhar longe da falha concêntrica, realizando aproximadamente metade das repetições possíveis. Se o objetivo for hipertrofia muscular, trabalhar com séries chegando a 35-40% de perda de velocidade se mostrou mais efetivo, o que corresponde a trabalhar com RIR 2 a 5. Obviamente, os grupos que obtiveram maior hipertrofia muscular também obtiveram ganhos de força, resultados que podem se explicar pelo maior volume de trabalho (mais repetições).
Outra conclusão importante é que séries que se aproximam da falha concêntrica aumentam a concentração de amônia no sangue, exigindo maior tempo de recuperação entre sessões. Ou seja, utilizar RIR 2 a 5 nas séries possibilita treinar com mais frequência, gerando estímulos mais frequentes, com maior volume de trabalho semanal e consequentemente maiores ganhos em hipertrofia.
Na prática, minha opinião: é muito difícil durante uma série estimar RIR5, a chance de errar e fazer RIR7 ou RIR3 é grande. Então o ideal seria trabalhar com RIR2. Lembrando: tratamos de exercícios básicos, com ativação de vários grupos muscular. Não houve contraindicação para trabalhar próximo da falha concêntrica em exercícios mais analíticos, com maior número de repetições.