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Efeito Da Carga Repetida.


B1gBillie

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Efeito da carga repetida


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A frase do filósofo alemão Nietzsche “o que não mata, me fortalece” serviria para ilustrar um processo de adaptação chamado efeito protetor da carga ou efeito da carga repetida. De maneira resumida esse efeito determina que quando uma sessão de treino é repetida, o grau de dano induzido pelo exercício diminui.

Praticantes de atividades físicas, especialmente aqueles que realizam treinamento de força, já experimentaram em algum momento de sua história esportiva, uma dor muscular localizada que surge entre de 24 e 72 horas após o término da atividade e que desaparece em alguns dias. Esta dor normalmente aparece no começo de um programa de treinamento, na retomada após um período de inatividade, ou mesmo quando estímulos são alterados, e vai diminuindo sua intensidade após as repetidas sessões. Alguns incômodos como diminuição da amplitude articular, queda de força e sensibilidade à palpação também estão sintomas característicos deste processo. Muitos têm essa dor como um empecilho para prática da atividade física, enquanto outros praticantes esperam ansiosamente algumas horas para experimentar a sensação dolorosa associada a um treinamento eficiente, o famoso “no pain, no gain”.

Ela é decorrente das microlesões ocorridas durante a prática de exercícios, em especial daqueles que usam em seus movimentos predominantemente ou exclusivamente contrações excêntricas (Nosaka et al. 2002). Por que isso acontece? Simultaneamente a uma contração excêntrica acontece o alongamento do músculo. No entanto, esse alongamento é irregular, como alguns sarcômeros são mais fracos do que outros, eles são incapazes de suportar a tensão sendo submetidos às maiores taxas de alongamento e acabam se rompendo (Morgan, 1990). Além disso, um menor número de unidades motoras são ativadas, o que gera uma tensão maior em uma menor quantidade de fibras.

Em resposta a essas microlesões, uma cascata inflamatória é desencadeada, e células do sistema imunológico liberam subprodutos que são os possíveis sinalizadores de dor, como as histaminas e as prostaglandinas (Eston & Edwards, 2001). Essa resposta inflamatória é fundamental para que ocorra o aumento na síntese protéica e regeneração celular. Através de uma sinalização molecular acontece um aumento da síntese de proteínas e um remodelamento da célula tornando-se maior e mais forte (Pizza et al., 2002)

A magnitude do dano é proporcional ao stress a que a célula foi submetida. O tempo de recuperação pode variar entre gêneros, idade e nível de treinamento, assim como o dano causado após uma sessão de treinamento. Indivíduos destreinados apresentam uma maior extensão de lesões e levam um tempo maior para regenerar das microlesões do que indivíduos treinados (Newton et al., 2008). Mulheres, idosos e crianças têm recuperação mais lenta do que homens adultos. Provavelmente a testosterona tenha contribuição importante na ativação de células satélites e desta forma contribua para acelerar o processo de regeneração celular (Dreyer et al., 2006).

No entanto, após algumas sessões de treinamento essas dores diminuem frente a estímulos semelhantes. Esse efeito indica que de alguma forma a fibra muscular realizou uma adaptação visando manter sua integridade estrutural em eventos similares. Possivelmente essa adaptação ocorra no citoesqueleto, porém as possíveis causas de adaptação ainda precisam ser mais bem estudadas.

Esse fenômeno é chamado efeito protetor da carga e tem por definição uma adaptação onde a extensão da lesão celular estaria atenuada pelo efeito de uma sessão de treinamento pregressa, e pode ser constatado através de métodos indiretos como: redução de amplitude articular, perda de força isométrica, dor a palpação e aumento na concentração sanguínea de creatina quinase, mioglobina e colesterol, que indicam dano a estrutura celular. O conhecimento dessa adaptação é de fundamental importância já que, sendo as microlesões um dos mais potentes sinalizadores para hipertrofia muscular, seu entendimento pode contribuir para que as respostas adaptativas das microlesões e da hipertrofia compensatória.

Algumas evidências reportam que esse efeito protetor da carga se dá, exclusivamente após a primeira sessão de treinamento. Nosaka e colaboradores (2001) mostraram que mesmo após seis meses da realização de uma sessão de treinamento com contrações excêntricas os danos celulares foram menores quando se executava uma nova sessão de treino (Nosaka et al. 2011)

Sobre a intensidade da primeira sessão, dados indicam que quanto maior for o dano mais extenso será o efeito protetor. Sendo assim sessões que promovem pequenos danos as fibras atenuam o efeito protetor da carga, pois ao que parece a magnitude da resposta adaptativa é proporcional a resposta inflamatória (Nosaka et al., 2002b; Lapointe et al., 2002; Pizza et al., 2002)

Apesar de os mecanismos responsáveis pelas adaptações presentes no efeito protetor da carga ainda não estarem completamente elucidados, sabe-se que esse efeito protetor persiste por muitas semanas após a sessão inicial (Nosaka et al, 2001a). É possível que a repetição de uma sessão de treinamento realizada até nove meses de uma sessão inicial proporcione esse efeito protetor (McHugh, 2003). Algumas hipóteses são levantadas para explicar esse fenômeno e entre elas estão adaptações que podem ser neurais, mecânicas e celulares.

Kamandulis e colaboradores (2010) analisaram o efeito de duas sessões de treinamento separadas por duas semanas, com contrações excêntricas para verificar os níveis de ativação muscular na segunda sessão de treinamento. Após duas semanas da realização da primeira sessão, não houve alteração significativa no nível de ativação voluntaria, indicando que não houve efeito de carga repetida em nível neural, no entanto o estudo mostrou diminuição da dor muscular horas após o término da segunda sessão, indicando que o efeito aconteça no interior da célula (Kamandulis et al, 2010).

Em uma revisão Muthalib e colaboradores (2011), também levantaram a possibilidade das alterações não acontecerem em nível neural. Além disso, sugerem que alterações metabólicas também não explicariam o efeito da carga repetida, já que a hemodinâmica, a oxigenação e a ativação muscular não fossem diferentes após duas sessões de treinamentos com contrações excêntricas (Muthalib et al, 2011).

Nosaka e colaboradores (2010) atribuem o efeito protetor da carga a adaptações mecânicas e celulares. Como adaptações mecânicas, são citadas o aumento na rigidez muscular, a remodelação dos filamentos intermediários das fibras, o aumento do tecido conjuntivo intramuscular e como adaptações celulares uma melhor resposta inflamatória, um melhor relação entre acoplamento e relaxamento das proteínas contráteis, um aumento longitudinal dos sarcômeros entre outras(Nosaka et al, 2010).

Outra hipótese estaria na regulação de proteínas do citoesqueleto, distrofina, vinculina, desmina e titina. Barashi e colaboradores (2002) citam uma remodelação do citoesqueleto e do endomísio após uma sessão de exercícios com contrações excêntricas. Eles mostraram em seu estudo que proteínas não contrateis responsáveis pela estabilidade estrutural da fibra muscular estariam alteradas após uma sessão de treinamento que cause danos estruturais a fibra. Os autores acreditam que o aumento da rigidez celular devido ao aumento de proteínas como a desmina e titina promoveria uma maior resistência ao stress exterior protegendo a célula e sua estrutura de danos (Barashi et al., 2002)

Ao encontro desses estudos, Sam e colaboradores mostraram que ratos “knockout” para proteína desmina possuem fibras mais suscetíveis a danos quando submetidas a stress mecânico decorrentes de uma sessão de exercícios excêntricos (Sam et al., 2000).

É também possível que o comportamento dos tendões musculares e alterações de comprimento dos fascículos durante contrações excêntricas máximas são modificados após sessões de treinamento. Se as fibras musculares se alongam menos durante as contrações excêntricas, menos dano muscular acontecerá. Pode ser que uma contração excêntrica em uma série inicial proporcione alterações de comprimento da fibra para a próxima sessão de treino, e desta forma reduza a tensão muscular durante futuras sessões com contrações excêntricas. (Nosaka & Newton, 2002)

O efeito da carga repetida, pode ser responsável pela maior dificuldade que pessoas treinadas têm em obter resultados, devido à atenuação das reposta inflamatória. Estudos em ratos, mostram que a administração de antiinflamatórios em animais submetidos a sessões com contrações excêntricas estimuladas eletricamente prejudica a recuperação das microlesões, levando a diminuição de força e aumento na concentração de macrófagos (Lapointe et al., 2002; Pizza et al., 2005).

Fica claro que nosso organismo procura formas para se adaptar as demandas externas, e cabe aos treinadores conhecer as causas dessas adaptações, de maneira a criar alternativas que desequilibrem esses processos visando atingir os objetivos desejados.

Referências:

Barash IA, Peters D, Fridén J, Lutz GJ, Lieber RL. Desmin cytoskeletal modifications after a bout of eccentric exercise in the rat. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2002 Oct; 283(4):R958-63.

Barroso R, Roschel H, Ugrinowitsch C, Araújo R, Nosaka K, Tricoli V. Effect of eccentric contraction velocity on muscle damage in repeated bouts of elbow flexor exercise. Appl Physiol Nutr Metab. 2010 Aug;35 (4):534-40.
Dreyer HC, Blanco CE, Sattler FR, Schroeder ET, Wiswell RA. Satellite cell numbers in young and older men 24 hours after eccentric exercise. Muscle Nerve. 2006 Feb;33(2):242-53.
Kamandulis S, Skurvydas A, Brazaitis M, Skikas L, Duchateau J. The repeated bout effect of eccentric exercise is not associated with changes in voluntary activation. Eur J Appl Physiol. 2010 Apr;108(6):1065-74.
Lapointe BM, Frémont P, Côté CH. Adaptation to lengthening contractions is independent of voluntary muscle recruitment but relies on inflammation. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2002 Jan;282(1):R323-9.
McHugh MP. Recent advances in the understanding of the repeated bout effect: the protective effect against muscle damage from a single bout of eccentric exercise. Scan J Med Sci Sports 2003; 13 (2): 88-97.
Morgan DL. New insights into the behavior of muscle during active lengthening. Biophys J. 1990 Feb;57(2):209-21.
Muthalib M, Lee H, Millet GY, Ferrari M, Nosaka K. The repeated bout effect: influence on biceps brachii oxygenation and myoelectrical activity. J Appl Physiol (1985). 2011 May;110(5):1390-9.
Newton MJ, Morgan GT, Sacco P, Chapman DW, Nosaka K. Comparison of responses to strenuous eccentric exercise of the elbow flexors between resistance-trained and untrained men. J Strength Cond Res. 2008 Mar;22(2):597-607.
Nosaka K, Sakamoto K, Newton M, Sacco P. How long does the protective effect on eccentric exercise-induced muscle damage last? Med Sci Sports Exerc. 2001 Sep;33(9):1490-5.
Nosaka K, Newton M, Sacco P. Delayed-onset muscle soreness does not reflect the magnitude of eccentric exercise-induced muscle damage. Scand J Med Sci Sports. 2002 Dec;12(6):337-46.
Nosaka K, Newton M, Sacco P. Muscle damage and soreness after endurance exercise of the elbow flexors. Med Sci Sports Exerc. 2002 Jun;34(6):920-7.
Nosaka K, Newton M. Concentric or eccentric training effect on eccentric exercise-induced muscle damage. Med Sci Sports Exerc. 2002 Jan;34 (1):63-9.
Nosaka K, Newton M. Difference in the magnitude of muscle damage between maximal and submaximal eccentric loading. J Strength Cond Res. 2002 May;16(2):202-8.
Pizza FX, Peterson JM, Baas JH, Koh TJ. Neutrophils contribute to muscle injury and impair its resolution after lengthening contractions in mice. J Physiol. 2005 Feb 1;562 (Pt 3):899-913. Epub 2004 Nov 18.
Pizza FX, Koh TJ, McGregor SJ, Brooks SV. Muscle inflammatory cells after passive stretches, isometric contractions, and lengthening contractions. J Appl Physiol (1985). 2002 May;92(5):1873-8.
Sam M, Shah S, Fridén J, Milner DJ, Capetanaki Y, Lieber RL. Desmin knockout muscles generate lower stress and are less vulnerable to injury compared with wild-type muscles. Am J Physiol Cell Physiol. 2000 Oct;279(4):C1116-22.

Fonte: http://www.gease.pro.br/treinamento/140415.html?id=248

Editado por B1gBillie
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Sempre tive a impressão de que isso existia, mas não conhecia esse termo específico.

O artigo veio bem a calhar, pois parei agora a pouco por 1 semana e meia depois de uns 10 meses ininterruptos de treino, e agora quando voltei, realmente a dor muscular tardia foi bem diferente das normais que eu sentia. Muito mais dolorida, mesmo com uma baixa de 10~15% nas cargas!

De fato o músculo desacostuma e perde essa proteção/adaptação muscular da "carga repetida" com a inatividade.

Ótimo artigo, acompanhando.

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Fica claro que nosso organismo procura formas para se adaptar as demandas externas, e cabe aos treinadores conhecer as causas dessas adaptações, de maneira a criar alternativas que desequilibrem esses processos visando atingir os objetivos desejados.

Aumentar carga, repetições, todo munda ja esta consciente disso.

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